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  • anacarlang

'Deixa o mato'

Atualizado: há 13 horas



Na estrada, a fumaça no horizonte era sinal de que a realidade das queimadas mostrada pela televisão e nas redes sociais estava mais perto de nós. A vista panorâmica vinha com um alerta escancarado da natureza. A estiagem era evidente nas folhas secas. Em alguns dias no Centro-Sul Fluminense, eu me senti em um contato maior com o verde, com as suas maravilhas e as suas dores. No trajeto até até lá, cruzando alguma cidade ou vilarejo, reparei na senhora que usava um guarda-chuva no inverno, não para se proteger de pingos de chuva, mas para tentar amenizar o calor que fazia.


Vi também a natureza ainda preservada e vivi a experiência de não estar conectada por Internet, como em uma cachoeira em Vera Cruz, bairro de Miguel Pereira. Por outro lado, eu me senti mais interligada ao que é natural. Pensei nisso justamente após me banhar na água gelada quando estendi uma toalha de praia em uma faixa de areia e fiquei ali observando o cenário. Deitada, olhei para o céu e pensei na imensidão em que estamos inseridos. A placa de zero lixo era o aviso de que a responsabilidade pela poluição também é de cada um de nós. 


No mesmo dia, no entanto, fiquei sabendo que o parque Uaná Etê, em Engenheiro Paulo de Frontin, havia sido tomado por um incêndio que levou 10 horas para ser combatido. Não havia informações sobre as causas. A área de reflorestamento de sapucaias, quaresmeiras e ipês foi queimada pelo fogo. A mesma informação, aliás, foi repassada na entrada do parque ecológico, que visitei no dia seguinte, com a ressalva de que outros verdes, felizmente, estavam preservados. É o caso do campo de girassóis que começam a florir às vésperas da primavera.


Na caminhada pelo parque, no entanto, a destruição pelo fogo se tornava mais próxima e cortante. A natureza chorava e sangrava pela secura. Além disso, o cheiro de fumaça que ainda se fazia presente lembrava a tragédia recente. Foi triste ver do alto aquela mata destruída pelo fogo. Em algum momento da trilha, deitei em um banco e olhei para o alto, vendo e ouvindo pássaros que sobrevoavam o local. Naquela cena, a liberdade e a vida se faziam presentes. 


Inclusive, resolvi buscar uma trilha sonora para as imagens que fiz como visitante e encontrei a música 'Borzeguim', de Tom Jobim: "Deixa o mato crescer em paz/ Deixa o mato crescer/ Deixa o mato/ Não quero fogo, quero água". O parque, felizmente, segue com várias áreas preservadas e visitação aberta. Inclusive, os organizadores reforçaram em suas redes sociais que a arrecadação das visitas é muito importante para o reflorestamento do local. 


Nas andanças por ali, também escutei uma funcionária que contou ter ouvido os relatos de quem viu pássaros desesperados com o incêndio por estarem na época de chocar seus ninhos. Essa informação cortou ainda mais o meu coração por simbolizar a forma como uma espécie pode ser extinta. 


Tudo isso me fez lembrar da série 'Silo', da Apple+. A obra, que já anunciou uma segunda temporada, conta a história das últimas dez mil pessoas na Terra, confinadas em um silo subterrâneo que as protege do mundo mortal no lado de fora. No entanto, ninguém sabe quando ou por que o bunker foi construído, e quem ousa descobrir sua origem é tratado com o rigor do sistema. É uma ficção científica que trata de um futuro pós-apocalítico. A pergunta que fica é como faremos para que a realidade do nosso amanhã não seja de caos, destruição, sem natureza nem céu azul.



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